A Mulher na História da Arte - Parte 02
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Sabe-se que a assimetria nas relações de gênero dá-se, no Ocidente, desde antes de Aristóteles, que descrevia o sexo feminino como uma carência, um defeito, uma fraqueza da natureza. Para Aristóteles, a mulher é um homem mal-acabado, um ser incompleto, uma forma malcozida. (PERROT, 2016, p. 63). Durante o Renascimento, essa distinção tornou-se mais clara: para Gombrich (2000, p. 267), a arte desse período ganhou a função de aumentar a beleza e as graças da vida.
Na Renascença, o corpo humano foi estudado exaustivamente por inúmeros artistas, dentre eles os mais conhecidos: Leonardo da Vinci e Michelangelo. Aos homens, pintores e escultores, era permitido o estudo da anatomia humana, o que possibilitou a criação de obras que hoje conhecemos como referências do período. De Davi a Monalisa, a representação da natureza, durante o Renascimento, foi ressignificada pelos olhos do homem. A linguagem visual formulada pelos pintores renascentistas na ruptura com Idade Média, prevalece até hoje. O Humanismo e o conceito de gênio, assim como a relação pintor - musa, foram perseguidos e impostos com excelência durante o Renascimento, da pintura a arquitetura, consideradas as Belas Artes.
Raffaelo Sanzio - La Fornarina (1518-1519). Óleo sobre madeira, 85 cm x 60 cm. Galeria Nacional de Arte Antiga - Roma
A mulher era pincelada com toda pureza no olhar, pele branca e macia, formas e volumes com equilíbrio, representando a doçura, a grandeza e a perfeita harmonia em suas obras (PARISOTTO, 2009). Foi com êxito que o homem do Renascimento prevaleceu sob a mulher. Em torno do corpo feminino, desenvolveu-se um discurso misterioso, romântico, utópico. No meio artístico, a mulher era a musa, a Vênus; além desse cenário, era vista como não-cidadã, o abrigo do homem, o recipiente que receberia seu sobrenome. Os homens são indivíduos, pessoas, trazem sobrenomes que são transmitidos. Alguns são “grandes”, “grandes homens”. As mulheres não têm sobrenomes, têm apenas um nome. (PERROT, 2016, p. 17)
Sabe-se que o Renascimento foi o período de resgate da Antiguidade Clássica, da cultura greco-romana. A dualidade das obras renascentistas impregnou também o corpo feminino: a castidade e a luxuria, a virtude e o pecado. Contrário do que se pensa, as musas dos quadros foram inspiradas em mulheres reais, colocadas como deusas da perfeição e símbolos do pecado. Exemplo, a famosa Vênus de Botticelli, presente em inúmeros de seus quadros, foi uma mulher real chamada Simonetta. Membro de uma nobre família genovesa, recebeu todo ensino convencional para uma garota da sua época: estudou canto, música, dança, corte, costura e o comando da casa. Segundo Eco (2013, p. 176), o belo no século XV deveria imitar a natureza em sua perfeição, “segundo regras cientificamente estabelecidas”, ou como contemplação de um grau de perfeição sobrenatural, não perceptível com a visão”.
Botticelli - La nascita di Venere (1483). Têmpera sobre tela, 172,5 cm x 278,5 cm. Galleria degli Uffizi - Florença
A mulher ideal, para os homens renascentistas, era um ser quase inalcançável. Para Simonetta, que possuía características físicas muito valorizadas na época, com cabelo ruivo, longo - acredita-se que tingido (tingir cabelo era uma arte requintada no período), foi diferente. Atualmente, o rosto considerado perfeito da musa inspiração de Botticelli, está estampado em diversos produtos e objetos de uso cotidiano, desde livros até canecas, mostrando ainda que somos frutos, e endeusamos, um ideal de beleza edificado há mais de cinco séculos.
A doçura, a leveza no movimento, a graciosidade, foram há muito classificados como femininos e características inerentes a toda mulher que valorizasse o seu lugar no mundo. Hoje entende-se, segundo Griselda Pollock (MACEDO e col, 2011, p. 59), que a feminilidade não é condição natural das pessoas do sexo feminino.
É uma construção ideológica historicamente variável de significados correspondentes e um signo M*U*L*H*E*R que é produzido por, e para, um outro grupo social cuja identidade e superioridade imaginada tem origem na produção do espectro desse fantástico Outro. MULHER é tanto um ídolo como nada mais que uma palavra.
O Renascimento foi a prenuncia de uma partilha nítida entre os sexos: de um lado, a beleza, a elegância da mulher; do outro, a força masculina. Os artistas que se debruçaram, literal e não, sobre o corpo feminino, pareceram entender mais do mundus muliebris quanto a própria mulher (BAUDELAIRE, 1996, p. 53). Mas a verdade seja dita: o mundo jamais seria mundo sem o trabalho invisível (e invisibilizado) das mulheres. //