A Mulher na História da Arte - Parte 03
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A mulher que não alcançasse o ideal de perfeição, ditado por uma sociedade patriarcal, encontrava a frustração. Era necessário cuidar de uma casa, de uma família, engravidar e manter-se bela. Tudo como as escolas para moças ensinavam. Até o século XIX, o busto feminino nas obras de Arte era considerado sacro; o corpo baixo, a nudez, era considerada animal. Segundo Perrot, a partir do século XIX perscruta-se a parte superior da mulher nas pinturas: o rosto, depois busto; há pouco interesse pelas pernas. Depois o olhar desloca-se para a parte inferior, os vestidos se ajustam mais à cintura, as bainhas descobrem os tornozelos. No século XX, as pernas entram em cena, haja vista à valorização das pernas longilíneas nas peças publicitárias. (PERROT, 2016, p. 50).
Foi honra do homem descortinar o que havia por trás (ou por baixo) da mulher real: foi ele quem escolheu o momento para mostrar, maquiado entre bailarinas e banhistas, partes das mulheres e pintar como quisesse. Acompanhado dos estudos anatômicos em torno do corpo humano no Renascimento, "os fisiologistas do final do século XIX, que pesquisam as localizações cerebrais, afirmam que as mulheres têm um cérebro menor, mais leve, menos denso” (PERROT, 2016, p. 96). Sendo inferiores, sucetíveis a delírios. A ciência e a arte, partidárias ao homem, fizeram com que a mulher perdesse, por muitas vezes, a saúde e a sanidade (voltemos a lembrar de Camille Claudel). Mulheres talentosas, que tiveram que escolher entre seguir um caminho solo (como profissionais, algo quase impossível até o século XX), ou casar e ter filhos. A sociedade pressionava para que mulheres não vivessem sonhos, talentos, desejos.
Era impensável, até pouco tempo, que uma "garota poderia ter caminhado até Londres, ter ficado à porta do palco e ter imposto sua presença aos atores-diretores sem violentar-se a si mesmo e sofrer uma angústia que pode ter sido irracional” (Woolf, 2019, p. 74). Como bem aponta Linda Nochlin (2019): existiram sim mulheres artistas, que foram engolidas por um sistema patriarcal, impossibilitadas de viverem as próprias custas ou de simplesmente escolherem pintar ou não naturezas-mortas, quadros grandes ou pequenos. Artistas, já no século XIX, dependiam da aprovação do homem e do Estado (polissemia) para pintarem em ambientes externos, sob sol e chuva, e não usarem desconfortáveis vestidos.
Rosa Bonheur foi uma pintora e escultora francesa, filha de pintores. Recebeu educação a partir do Simonismo - baseado na premissa de ensino idêntico para mulheres e homens. Quando o mundo da pintura ainda era dominado por homens, Bonheur ganhou fama e ficou muito conhecida por pintar animais. Foi a primeira mulher a receber a Légion d’Honneur das mãos da Imperatriz Eugénie de Montijo, que declarou: “Genialidade não tem sexo”.
Para conseguir estudar a anatomia dos animais, Rosa frequentava matadouros e mercados. Por serem ambientes eminentemente masculinos, a artista precisou de uma permissão escrita do governo francês para usar calças e botas, mais confortáveis e práticas. (MASP e col, 2019, p. 64)
O HOMEM E A LIBERDADE E IR E VIR
Caminhar por caminhar, sem roteiro, observando e questionando toda a paisagem urbana, ou até mesmo pintar em locais públicos, era privilégio do homem. Baudelaire (1996, p. 19) apresenta, contextualizado na França do século XIX, o flâneur, sujeito errante, explorador e que significou o arquétipo do homem moderno. Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes.
Tal liberdade possibilitou o progresso de obras impressionistas e o surgimento de grandes nomes do movimento, como Monet, Manet, Renoir. Oposto a eles, Berthe Morisot e Mary Cassat, partes também do Impressionismo - classificado, por muitos, como um movimento feminino - mas impedidas de acessar inúmeros espaços pelo simples fato de serem mulheres.
Ainda durante o século XIX, mulheres solteiras não podiam sair de casa desacompanhadas. Eram forçadas a casar e ainda assim, eram pressionadas indiretamente a seguir apenas nas artes decorativas: com trabalhos introspectivos, as mulheres costumavam pintar condições sociais de seus criados e o cotidiano das mães e suas crianças. Quando as mulheres passaram a ocupar os espaços públicos, vagarosamente, gerou também enorme desconforto social e iniciou uma cadeia de discursos moralizantes, o que ajudou no crescimento do movimento feminista.
O ensaio de Baudelaire (1996) retrata uma Paris onde os homens observam os percursos feitos pelas mulheres, as consideradas respeitadas e as desonradas. Clark faz um mapa da pintura impressionista seguindo as trajectórias de lazer dos comboios suburbanos, desde o centro da cidade até aos subúrbios (MACEDO e col, 2011, p. 61). A partir desse mapa, Griselda Pollock ligou a prática impressionista aos territórios eróticos da modernidade, conectando espaços de acesso de homens e mulheres com seus trabalhos. O limite das mulheres pintoras - nesse caso, Morisot e Cassat - era onde a burguesia caminhava livremente. Nos bastidores - bordeis, cafés, por trás das cortinas dos teatros -, o espaço era de domínio do homem, o flãneur com pinceis.
Pergunta-se se houve um Renascimento para as mulheres. Sim, mas relegado à função materna, às atividades do lar, com liberdades praticamente nulas. A vivência feminina era voltada às funções do matrimônio, e no Renascimento isso não foi diferente. O acesso à educação era restrito a burguesia e não ultrapassavam a fase de alfabetização. Era ensinado o canto, a pintura, o bordado, mas viver da arte foi prerrogativa, em grande parte, de mulheres advindas de famílias de artistas.
Em situações excepcionais, as mulheres recebiam a mesma educação que um homem, passada através de um Tutor. Mas para uma mulher comum, camponesa, pobres moradoras de vilas, não havia outra possibilidade longe do casamento. Era impensável exercer um dom, um sonho. O destino da mulher, em todos os sentidos, foi determinado por homens: eles criaram os livros de etiquetas, pintaram a imagem perfeita da mulher, escreveram poemas inspirados no corpo feminino. A banalização da mulher enquanto artista, prejudicou e definiu os rumos da História da Arte no passado e no presente, tornando-se cada vez mais necessário a ressignificação das obras e artistas considerados gênios, assim como das mulheres que foram enterradas por uma História patriarcal.